sábado, 1 de novembro de 2008

A POBREZA E O CAPITALISMO


Texto de: Noi Scheffer
A sociedade ainda não encontrou uma forma de incluir milhões de pessoas marginalizadas do desenvolvimento, em estado de pobreza, famintas ou mal alimentadas. A solução socialista demonstrou-se insuficiente por ser mais eficiente para distribuir do que para produzir. O capitalismo, embora eficiente na produção, por ser seletivo e excludente, contribui para aumentar o percentual da população marginalizada do desenvolvimento.
Precisamos encontrar uma solução não apenas por questões humanitárias. A pobreza é também uma das maiores causas de degradação do meio ambiente. Além de ser humilhante socialmente, condenável ética e moralmente, torna-se um peso para ser carregado pelos setores produtivos. Não se trata apenas de matar-lhes a fome e dar um abrigo decente, mas de inserir essa faixa da população no desenvolvimento econômico e social. Torná-la cidadã.
A solução pode ser encontrada no próprio capitalismo. Mas para isso precisamos entender a dinâmica excludente nele contida e os fatores emocionais envolvidos e desenvolvidos pelos próprios excluídos. É na motivação inconsciente que está a diferença, que interfere no modo como a pessoa encara o seu exterior.
É próprio do conceito socialista distribuir para quem precisa e não tem. Ora, quem menos tem, mais mérito terá para receber. A dedução subliminar é obvia e direta: se melhorar de vida perderá benefícios. Ou seja, deixará de ser alvo das atenções dos governos e dos caridosos. Sua estrutura emocional naturalmente o exclui. Não racionalmente, por maldade ou preguiça, como é dito comumente, mas pela sua formação inconsciente regressiva.
É da natureza do livre mercado ser excludente. Para ser eficiente, é preciso excluir os menos preparados, óbvio. O trabalhador que produz menos é substituído por outro que produz mais ou por uma máquina. Claro que uma economia com baixo crescimento ao longo de vários anos contribui muito para o aumento dos excluídos. Assim, novas tecnologias e baixa qualificação das pessoas também influenciam para o aumento das dificuldades de inclusão. A inclusão pela educação embora seja uma ferramenta importante se mostra incapaz de dar a sustentação inicial para saída do estado de pobreza.
Sair da pobreza significa participar do mercado. Não importa em que sistema econômico seja. Não basta usufruir o que lhe é dado. É preciso contribuir na produção, receber e consumir os bens produzidos pelo mercado e acumular parte dos rendimentos. Nisso consiste a poupança, cujo destino pode ser o sistema financeiro ou a aquisição de bens, especialmente de capital.
A base de sustentação do processo econômico individual assenta-se na posse de um terreno mínimo para construção de uma habitação. A construção da casa faz parte do processo de crescimento pessoal. Mesmo que seja a partir de armar uma lona. Faz-se necessário que seja individual, passo a passo, e na velocidade que a capacidade pessoal permita. Pode-se oferecer ajuda para acelerar o processo, mas nunca fazendo o que a pessoa pode fazer por contra própria. Trata-se de um processo econômico com profunda repercussão e intercalado com o processo emocional. Não é possível tratar de um, sem entender o outro.
A interferência para alterar esse processo terá que ser feita pelo poder público. É do âmbito da competência do estado e sua atuação deverá abranger as fases que o mercado não pode assumir. A compra da área de boas condições para habitação, a subdivisão e infra-estrutura básica – e somente a básica – e sua distribuição deve ser feita pelo poder público. A distribuição deve ser para todos que desejarem fazer deste a sua residência. A condição única será passar a morar no terreno nas condições que lhe for possível. A partir deste ponto, mesmo o mais modesto catador de materiais recicláveis passa a aumentar seu patrimônio. Passa a ser um poupador sem perder a condição de necessitado.
O mercado é incapaz de oferecer mesmo um pequeno terreno para todos os excluídos. Pode adquirir um terreno ou imóvel no mercado quem já participa dele. Os programas de casa própria não são dirigidos à população de renda mais baixa e muito menos aos sem renda.
Gerar empregos é bom para o mercado, pois cria consumidores e aumenta o poder aquisitivo das pessoas empregadas. Para criar poupadores, é preciso que estas pessoas tenham uma sobra no que ganham. Como nessas oportunidades o custo de vida aumenta, parte considerável da população perde capacidade de poupança pelo aumento dos gastos e a qualidade de vida nestes pólos se deteriora.
O fator emocional da exclusão é bem mais sutil e se encontra na própria pessoa excluída. Sem com isso atribuir-lhe culpa ou torná-la vítima. Uma parte da população se sente merecedora de atenção especial. É carente de atenção. Trata-se de um processo inconsciente, quase sempre no sentido contrário ao que é dito ou manifestado conscientemente. Freud denominou esse processo de “ganho secundário”. Sair do estado de pobreza significa deixar de ser foco da atenção da sociedade e das políticas assistenciais. Dar uma ajuda para quem ganha até certo valor significa dizer subliminarmente para manter-se abaixo dessa linha, pois, do contrário, perderá atenção e por conseqüência renda. Ajudamos quem precisa mais e não quem mais se ajuda. As políticas compensatórias quase sempre se enredam involuntariamente nesse processo por necessidade de estabelecer limites.
A solução seria partir do mínimo necessário para a sobrevivência e do que não pode ser feito por ela mesma. Quase todas as pessoas podem conseguir comida e roupa pelos seus próprios meios. O que realmente torna-se quase impossível para um excluído é adquirir por conta própria um local para construir sua moradia. As invasões ocorrem na maioria das vezes por essa incapacidade de adquirir pelos meios legais um local para construir e fixar residência.
Oferecer um terreno mínimo para essas pessoas é condição indispensável para o sucesso de qualquer política de resgate social. A partir desse ponto, e para complementar o esforço pessoal, o poder público e o terceiro setor atuariam como potencializadores da iniciativa individual.
Quando algumas pessoas invadem uma área de preservação agridem o meio ambiente e a sociedade, mas lá serão vistas e ajudadas. Inconscientemente, tornam-se vitimas para receber a atenção dada normalmente aos mais necessitados. Criamos assim o circulo vicioso que alimenta a miséria.
Os programas de “casa própria” estão inseridos invariavelmente nesse equívoco. Os “beneficiados” com a casa, especialmente os mais necessitados, saem desta condição e passam a ser considerados privilegiados. Rompido o vinculo afetivo regressivo, as pessoas sentem-se abandonadas afetivamente e muitos retornam para o status anterior, também denominado de “zona de conforto”. Os programas de assentamento agrário igualmente estão inseridos no mesmo contexto. Basta um rápido olhar para percebermos a bola de neve que tem se formado na tentativa de solucionar o problema com a visão tradicional.
Doar ou vender simbolicamente um terreno mínimo para todos que desejarem é uma solução possível e viável economicamente para solucionar o problema da péssima distribuição de renda do país.
As iniciativas tradicionais têm se mostrado um fracasso, consumido volumosos recursos e fecundas para demagogias. Algumas iniciativas nessa direção caíram no descrédito por pretenderem ofertar terrenos apenas para os mais necessitados e não para todos que desejarem.
A solução está em um programa continuo, assumido por governos consecutivos, independente de partidos. E deverá ser para todos que desejarem, com a única condição de morar no terreno. Sendo disponível para todos, deixará de ter valor econômico e não terá comprador, dispensando outros limitadores.
Esta proposta pretende criar um processo de sustentação social e de contraposição aos efeitos negativos que acompanham os projetos de desenvolvimento econômicos, necessários ao progresso e produzidos pelos mecanismos excludentes do sistema capitalista.
O progresso fantástico do pós-guerra não se traduziu em melhoria da qualidade de vida para a maioria da população mundial. Mesmo nos paises mais desenvolvidos este processo se repete. Somente os países com políticas sociais muito fortes têm conseguido minimizar este problema e, mesmo assim, estão se mostrando inviáveis economicamente.
“Os desajustamentos causados pela exclusão social de parcelas crescentes de população surgem como o mais grave problema em sociedades pobres e ricas.” (Celso Furtado, 2002, Metamorfose do Capitalismo)
A necessidade de casa é uma questão que o mercado pode e deve resolver com mecanismos de financiamento com juros compatíveis e adequados.
A miséria deixaria de ser um peso para o consumidor que é quem paga a conta através dos impostos e da caridade. Não se acaba com a miséria de uma hora para a outra. Mas é possível cria um mecanismo sustentável para sua redução paulatina e que pode ser acelerado com políticas adequadas. Ao contrário do que temos hoje, onde os programas são incrementados e a miséria se mostra crescente.

Noí Borges Scheffer
Psicólogo e Administrador de Empresas
noi.scheffer@gmail.com

Um comentário:

Luciana Seabra disse...

Muito interessante a análise, Noí. No texto do meu blog, não entrei na discussão de como aplicar esse dinheiro, só disse que deve ser em benefício das pessoas de renda mais baixa. Concordo que deve haver um cuidado especial com políticas assistencialistas, para que elas não prejudiquem a motivação. Sobre a arrecadação, baseei-me em análises de muitos estudiosos do tema, que consideram a necessidade de o tributo ser progressivo, o que ocorre com o imposto de renda no Brasil.